Por que os economistas estão invadindo as empresas de tecnologia?

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Por que os economistas estão invadindo as empresas de tecnologia?

Google

Por Paulo André Silveira Jr. para o Terraço Econômico 

Por que os economistas estão invadindo as empresas de tecnologia? É justamente esse o tema do working paper “Economists (and Economics) in Tech Companies”, cujos autores são Susan Athey (professora na Universidade de Stanford, ex-economista-chefe da Microsoft e premiada com a medalha John Bates Clark em 2007) e Michael Luca (professor na Universidade de Harvard, especializado em organização de mercado e colaborador de empresas e instituições como Facebook, Yelp e governo do Reino Unido).

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Nas últimas décadas o advento das plataformas tecnológicas, novos mercados e novas formas de aquisição de informação trouxeram consigo problemas tipicamente econômicos. O economista tem assumido uma posição relevante nessa área, ao abordar problemas de arquitetura de decisões ou precificação de anúncios, por exemplo.

Atualmente, as mais importantes empresas do ramo (Google, Microsoft, Facebook e Uber, para citar algumas) empregam economistas. Aliás, somente nos últimos cinco anos a Amazon contratou mais de 150 doutores em economia e emprega mais economistas do que os maiores departamentos de economia das universidades.

A união entre empresas de tecnologia e economistas deu origem a uma nova área – a “economia da digitalização” – e a uma série que novos problemas de pesquisa, por exemplo: como a inteligência artificial e a utilização de bases de dados enormes influenciam o poder de mercado dessas empresas? E como [essas empresas] devem ser reguladas? Qual o impacto dos motores de busca, agregadores, sistemas de reputação e mídias sociais sobre as decisões das pessoas? Como assegurar que as transações ocorram de forma segura e eficiente num marketplace online?

Entretanto, o repertório de habilidades exigidas por essas empresas está presente na ciência econômica há algum tempo. A área de desenho de mecanismos combina insights teóricos, trabalhos empíricos e experimentos para a resolução de problemas reais desde a década de 1960, enquanto a avaliação de relações causais e de incentivos são temas tradicionais na microeconomia aplicada e na organização industrial. A contribuição das novas tecnologias está na introdução de novos problemas, formas de aplicar a teoria existente e as oportunidades para a análise estatística.

O repertório de habilidades do economista

Uma das principais características do economista é, em comparação aos profissionais de outras disciplinas, utilizar uma abordagem baseada em dados e capaz de compreender quais relações são (ou não) causais. Ao longo dos últimos 30 anos, a ciência econômica desenvolveu o ferramental necessário para identificar esse tipo de relação nos dados do mundo real. Aliado a isso, o surgimento da Internet contribuiu para expandir o volume de dados disponíveis e, assim, aumentar a demanda por profissionais com essa característica.

A microeconomia aplicada, por exemplo, desenvolveu ferramentas para utilizar “experimentos naturais” na avaliação de políticas econômicas. Nas empresas de tecnologia, essas mesmas ferramentas são utilizadas para avaliar o impacto da introdução de novos produtos, alterações nos preços, mudanças na interface gráfica apresentada ao usuário ou a efetividade de anúncios.

Os experimentos são uma parte integral do processo decisório no setor de tecnologia. Muitas dessas empresas tomam decisões sobre seus produtos com base em “testes A/B” ou experimentos aleatórios controlados. Por exemplo, apresentar duas páginas idênticas ao usuário, com exceção de um único botão que possui duas versões e, posteriormente, compará-las para determinar qual o mais eficiente na obtenção de cliques.

Anualmente, milhares ou dezenas de milhares de testes como esses são conduzidos e implicam desafios técnicos e gerenciais, desde como escolher uma amostra adequada ou até mesmo como traduzir conclusões experimentais em decisões de negócio. A experimentação também tem aspectos controversos, como o caso onde o Facebook conduziu testes para verificar a reação do usuário ao encontrar postagens com emoções positivas e negativas no feed de notícias da rede social.

Além da investigação de relações causais, há o interesse na compreensão dos trade-offs entre os diferentes tipos de métricas. Nessas empresas as decisões de marketing ou recursos humanos, por exemplo, costumam ser determinadas por análises empíricas.

Sendo assim, cabe ao economista explorar a relação entre métricas de curto e longo prazos (são exemplos, cliques num anúncio e receita ou valor do tempo de vida do cliente, respectivamente). Isso pode ser ilustrado através do seguinte cenário: a empresa de tecnologia X alterou a forma com que obtém algumas métricas de email marketing. Antes, um cliente poderia demorar semanas para concretizar a compra e a métrica era considerada ruidosa.

A nova métrica seria a abertura do email, algo imediatamente observável e cujas informações podem ser facilmente incorporadas à formulação do conteúdo da mensagem. Passados alguns meses, a empresa notou que as vendas via email caíram vertiginosamente. Descobriu-se que a taxa de abertura dos emails pouco tinha relação com as vendas concretizadas.

O economista não enxerga uma métrica apenas como medida estatística, mas como uma fonte de incentivos e, nesse cenário, o desafio era ajustar os incentivos dados para melhor capturar os benefícios almejados. De modo geral, o economista está interessado nos desdobramentos intencionais e não-intencionais das diferenças entre objetivos de curto e longo prazos.

Aplicações da economia nas empresas de tecnologia

A publicidade sofreu grandes transformações com o advento das novas tecnologias, influenciadas também pela atuação de economistas no desenho de leilões e na estimação dos retornos de anúncios. Hal Varian foi um dos precursores, o primeiro microeconomista acadêmico a se tornar economista-chefe numa grande empresa de tecnologia, iniciando sua colaboração com o Google em 2002.

No caso de um motor de busca (Google, Bing, etc.), os anúncios são negociados através de leilões para palavras-chave específicas. Um lance é dado em termos de preço por clique, por exemplo, e os maiores lances são melhor posicionados. Sendo assim, surge a necessidade de analisar essas negociações segundo a teoria econômica. É sabido que num leilão de segundo maior preço, com um único vencedor, o valor pago será o do segundo maior lance dado. Isso significa que a melhor estratégia a ser tomada é dar lances visando o verdadeiro valor do item em questão, já que um lance anormalmente alto será desconsiderado.

Contudo, no caso dos anúncios, não há um único vencedor e sim uma ordenação de vencedores. Logo, utiliza-se uma versão modificada desse tipo de leilão, onde cada anunciante paga, sucessivamente, o segundo maior preço considerando a própria posição no ordenamento. A partir da implementação desse tipo de mecanismo, outras aplicações de conceitos econômicos foram possíveis.

O preço de reserva, por exemplo, foi utilizado para aumentar receitas e gerir a qualidade dos anúncios, bem como aumentar o incentivo do usuário em realizar pesquisas. Já as modelagens econométricas permitem inferir o lucro, dentre outras informações, dos anunciantes e proporcionam uma maior compreensão a respeito do impacto dos algoritmos no bem-estar do consumidor e a predição do engajamento futuro na plataforma.

Durante a era das mídias analógicas, a estimação dos retornos sobre as campanhas publicitárias era difícil. Acompanhar o comportamento dos consumidores num nível individual era praticamente impossível. Os estudos realizados na época eram enviesados em razão da forma de seleção das amostras. A era digital proporcionou uma mudança de paradigma, graças ao imenso volume de dados coletados pelas plataformas. Os economistas passaram a compreender a efetividade da publicidade num nível sem precedentes.

Um estudo sobre anúncios, por exemplo, tinha como objetivo entender o impacto de campanhas publicitárias do eBay nos grandes buscadores. Foi observado que os anúncios só eram eficientes quando visualizados por clientes novos ou esporádicos e quando os termos pesquisados incluíam o nome da empresa desejada. Dado que a maior parte das vendas do eBay era representada por clientes frequentes, os retornos líquidos dessas campanhas eram negativos, logo, o experimento indicou que o orçamento destinado a esse tipo de campanha, na época superior a 50 milhões de dólares, era mal alocado.

Os conceitos da teoria econômica também fundamentam a construção de sistemas de avaliação e reputação, tais como os utilizados pela Uber, AirBnb, etc. Neste caso, o principal foco é mitigar uma série de vieses através da arquitetura de decisões. Um desses vieses surge em razão das avaliações recíprocas. Quando compradores e vendedores avaliam uns aos outros, a primeira avaliação revelada tende a criar um incentivo em favor da reciprocidade. Avaliações positivas tendem a receber avaliações positivas e o mesmo no caso negativo.

Logo, aspectos relevantes da transação podem deixar de serem refletidos pelo sistema. Uma possível solução para esse viés, tal qual a prática do AirBnb, seria revelar ambas as avaliações em conjunto ou somente após a passagem de determinado período de tempo.

Os sistemas de avaliação também estão sujeitos ao viés de seleção. Quando sua realização é voluntária, a avaliação tende a ser feita somente após uma experiência particularmente positiva ou negativa. Sendo assim, as formas de tratar esse problema envolvem: lembrar e encorajar, através de mensagens, o consumidor a efetuar sua avaliação ou até mesmo recompensá-lo para que o faça.

Um terceiro viés está relacionado às avaliações falsas. Dados os incentivos presentes, é esperado que fraudes ocorram para a autopromoção através daquelas positivas ou ainda para prejudicar concorrentes, através de avaliações negativas. Um mecanismo comumente empregado para combate-las é: verificar se uma transação realmente foi realizada antes de aceita-la, ou criar e exibir rótulos que indiquem quais avaliações são verificadas.

dinâmica concorrencial das empresas de tecnologia também pode ser analisada à luz da teoria econômica. Inclusive, uma das primeiras tarefas de Susan Athey na Microsoft foi: investigar se o mercado de buscadores poderia sustentar múltiplas empresas ou estava destinado a se tornar um monopólio. Ela observou, a partir da análise das economias de escala e dos efeitos em rede indiretos, que havia viabilidade para um segundo motor de buscas.

Essa conclusão guiou uma série de acordos conduzidos pela Microsoft como, por exemplo, uma parceria com o Yahoo!. Estudos sobre a dinâmica concorrencial também podem servir para a análise de acordos de exclusividade. Quando a Microsoft ou a Sony lança um novo console de jogos eletrônicos, é comum que esse tipo de acordo os acompanhe. Assim, possuem influência nas vendas da plataforma, nos incentivos apresentados aos desenvolvedores de jogos e, em última instância, impactam os consumidores finais: os jogadores.

Embora o economista tenha assumido um papel cada vez mais relevante para as empresas de tecnologia, é necessário destacar seu papel igualmente importante na academia. Muitas dessas empresas tiveram suas primeiras interações com esse profissional ao colaborar com acadêmicos altamente especializados.

Um economista comportamental, por exemplo, pode esclarecer a influência da formação de hábitos sobre o comportamento do usuário, enquanto um econometrista pode oferecer metodologias para a condução de experimentos num mercado complexo e repleto de efeitos em rede.

Além disso, economistas acadêmicos normalmente estão protegidos das pressões da iniciativa privada. Isso lhes proporciona a oportunidade de explorar questões estratégicas de longo prazo e avaliar as consequências das aplicações empregadas por essas empresas. O AirBnb, por exemplo, somente abordou a questão da discriminação racial em sua plataforma após pesquisas acadêmicas indicarem o problema.

A atuação dos economistas nas empresas de tecnologia também evidenciou certas lacunas em sua formação. Embora o exercício de inferências causais seja uma de suas habilidades tradicionais, a utilização da aprendizagem de máquina e da programação, em geral, está à margem dessas habilidades. Em suma, a invasão dessas empresas por parte dos economistas, segundo os autores do artigo, deve continuar. Assim, a compreensão das questões mais importantes para a eficiência e lucratividade das mesmas é cada vez mais relevante.

Em contrapartida, a exposição a problemas de negócio ainda não resolvidos pode proporcionar um campo fértil para a pesquisa acadêmica. Logo, as empresas que melhor souberem capturar as externalidades positivas dessas interações terão maior sucesso no recrutamento e retenção desses profissionais, cujo repertório de habilidades e disciplina de origem são deveras peculiares: o economista e a sua ciência econômica.

Fonte: moneytimes.com.br